Igreja Batista Getsemâni

Grão de Gente reestrutura operação e reduz portfólio em meio à recuperação judicial

Marca, que chegou a atuar com 400 colaboradores, hoje tem 50; milhares de clientes reclamam de produtos não entregues

Mercado e Consumo

Conhecida por decorar os quartos dos bebês de famosas como Sabrina Sato, Viih Tube e Ticiane Ribeiro, a Grão de Gente, nativa digital que chegou a vender de roupinhas a berços, passa por um processo de reestruturação que inclui uma ampla redução do portfólio e um corte drástico dos custos operacionais. A empresa, criada há 12 anos, entrou com um processo de recuperação judicial neste ano, após acumular problemas com credores e consumidores.

 

A Grão de Gente nasceu no mundo digital vendendo macacões, babadores, casaquinhos, trocadores e outros itens indispensáveis aos enxovais dos bebês. Com o tempo, passou a atuar com outros produtos de puericultura, como móveis, berços, carrinhos, cadeirinhas e banheiras.

 

No auge, o site liderava a categoria infantil como o endereço mais procurado pelos consumidores que desejavam adquirir mimos e produtos para os pequenos na internet, segundo dados da plataforma Conversion. A Grão de Gente chegou a contar com três fábricas e um Centro de Distribuição próprio, além de uma loja física em um shopping de Santos, no litoral de São Paulo – a ideia, à época, era abrir caminho para a criação de uma rede, possivelmente por meio de franquias.

 

Desde o segundo semestre do ano passado, no entanto, o que parecia ser um negócio forte e consolidado vem passando por uma série de turbulências. Primeiro, o pagamento de fornecedores começou a atrasar. A consequência não poderia ser outra: os clientes passaram a reclamar da demora no recebimento dos produtos – quando recebiam. As reclamações registradas no site “Reclame Aqui” explodiram. Paralelamente, ex-funcionários foram à mídia e às redes sociais relatar condições ruins de trabalho quando estavam empregados.

 

No fim de 2023, um fundo de investimento se juntou ao negócio para reestruturar a companhia. A passagem foi rápida e, segundo a empresa, conturbada, com o descumprimento de cláusulas de contrato. Em março, a Grão de Gente protocolou um pedido de recuperação judicial no Tribunal de Justiça de São Paulo. O pedido foi deferido e a empresa está na etapa de negociação e aprovação do plano junto aos credores, o que se espera que ocorra no primeiro trimestre de 2025.

 

O que mudou com a recuperação judicial
Nesse processo, a empresa fez movimentações administrativas e no parque fabril. Fechou duas de suas fábricas, o Centro de Distribuição e a loja física. A operação logística foi terceirizada e o quadro de colaboradores foi reduzido de 400 para 50. “Em um momento de crise, são várias as dificuldades. Num processo de reestruturação, é preciso reavaliar a necessidade diante das vendas atuais para ficar com a operação que é segura para a companhia hoje”, diz Lucas Voltarelli, sócio da Triunfae, consultoria especializada em reestruturação que toca o negócio atualmente junto com os donos.

 

Ele admite que a recuperação judicial é uma “mancha” para qualquer empresa, que passa a ter dificuldades de conseguir crédito nos bancos e de fornecedores de serviços e insumos. “Se você quiser que vendam para você, você tem de pagar à vista e por um preço maior. A Grão de Gente chegou em cenário em que nenhuma transportadora estava fazendo negócio com a gente. Negociamos com uma para darmos vazão ao que temos, e terceirizamos o transporte e a operação logística. Esse tem se mostrado um movimento importante e correto.”

 

A empresa passou, também, a focar apenas nos itens que são de produção própria, como os de enxoval e acessórios. A ideia foi diminuir a complexidade da operação, afinal, precificar e enviar uma roupinha é bem menos complicado do que fazer o mesmo com um berço. “A gente vendia produtos feitos por nós e de fornecedores, com uma diversidade e uma capilaridade muito grandes. Estamos definindo melhor o portfólio de produtos para saber no que focar. Podemos ficar sem lucro, mas não sem caixa, porque precisamos conservar a operação e o backlog de pedidos que não conseguimos atender.”

 

Nos últimos 12 meses, 26.847 reclamações sobre a empresa foram registradas no Reclame Aqui. A maioria foi sobre atraso na entrega. A empresa resolveu 45,4% das reclamações recebidas. Mesmo quem tem retorno demora para conseguir: o tempo médio de resposta é 93 dias e 7 horas. A nota média dada para a marca pelos clientes no site de reclamações é de 3.9, de uma máxima possível de 10.

 

O atendimento dos clientes tem sido um dos principais focos da companhia hoje, segundo Voltarelli. “Os consumidores são parte fundamental da empresa e estamos com uma área de atendimento totalmente ativa, separando o que é parte da recuperação judicial e o que não é.” Os clientes que não receberam os produtos comprados antes da recuperação judicial são direcionados a preencher uma documentação para dizerem quais foram os pedidos e valores envolvidos para que sejam ressarcidos.

 

Outro movimento foi zerar o investimento em marketing, como aqueles feitos com as mães e pais famosos e que fizeram a marca ser conhecida por muita gente. “Esse sempre foi um pilar forte da empresa, mas hoje a gente precisa ajeitar casa, sem expansão, olhar para dentro e viver com vendas orgânicas. Estamos enxugando a casa de forma a conservar a operação. Só vamos ‘ligar a chave’ de crescimento novamente quando os pilares estiverem prontos.”

 

Boom da pandemia e concorrência chinesa
O sócio e fundador da Grão de Gente, Gustavo Ferro, credita a situação da empresa a uma série de fatores, tanto internos quanto externos. “A pandemia deu uma falsa impressão para todo o mercado de e-commerce. Muitos concorrentes surgiram, a China vendia sem impostos na época. Todo mundo investiu, se empolgou e veio uma ressaca forte”, afirma.

 

“Em 2023, vivemos o momento mais desafiador da nossa história. Enfrentamos a maior crise do e-commerce e do varejo brasileiro, além de problemas voltados a nosso negócio, como a diminuição de margem, elevadas taxas de juros e a informalidade nos grandes marketplaces nacionais e internacionais – o que nos levou a uma crise financeira.”

 

Ferro afirma, ainda, que a situação se agravou após a entrada do fundo que ficou três meses na operação. Mas admite que nem tudo era flores.

 

“É muito confortável, para mim, dizer que a empresa ficou nessa situação por causa do mercado. Claro que teve uma responsabilidade nossa. Mas, se a gente tivesse batido as vendas que tinha antes, nada teria acontecido. Se o mercado fosse como era dois, três anos atrás, acredito que teria sido tranquilo. Nenhum lugar é perfeito. Mas a gente sempre pagou tudo em dia, fez caixa. Tínhamos um resultado de 13%, 15%. Nos últimos três anos, perdemos muita margem. Antes, se vendêssemos R$ 10 milhões, tínhamos R$ 1,5 milhão de resultado. Chegamos a um momento em que precisávamos vender R$ 20 milhões para salvar R$ 100 mil. É uma pena tudo o que aconteceu.”

 

Recuperações judiciais no varejo
Mesmo com a melhora nos índices de emprego, salários e na confiança do consumidor, o cenário pós-pandemia ainda impacta negativamente varejistas de diferentes segmentos. Com dívidas crescentes, empresas têm recorrido à recuperação judicial para se reestruturar financeiramente, como mostrou reportagem recente da Mercado&Consumo. Empresas como Americanas, Polishop, SideWalk e Casa do Pão de Queijo fazem parte da lista das que entraram com pedido semelhante àquele feito pela Grão de Gente.

 

O especialista em varejo e COO da Gouvêa Ecosystem, Eduardo Yamashita, destaca que o varejo como um todo vem passando por um momento de redefinição e instabilidade, que começou na pandemia e que vem se perpetuando neste pós-pandemia. “Nesse período, nós tivemos um aumento muito grande do endividamento das famílias, do custo de capital e do crédito, além de um aumento do custo de vida de uma maneira bastante ampla, principalmente nos itens de primeira necessidade, como alimentos e de farmácia, além de habitação e transporte.”

 

Nesse cenário, as famílias estão revisitando hábitos de consumo, priorizando segmentos de primeira necessidade “As famílias, principalmente as mais pobres, estão postergando ou diminuindo suas compras nos segmentos de semiduráveis, que é toda parte de vestuário, calçados, artigos esportivos, de livraria e papelaria e, principalmente, postergado compras de não-duráveis , que precisam de uma confiança maior do consumidor e crédito mais barato, como móveis e eletroeletrônicos, entre outros.”

 

“Dada essa mudança do comportamento do consumidor, de redução das suas compras e de postergar compras em alguns segmentos, atrelada a um ambiente em que temos custo de capital bastante grande, varejistas dos segmentos de duráveis e semiduráveis têm encontrado um cenário bastante desafiador. De um lado, há o custo operacional e financeiro elevados, se comparados com os do pré-pandemia, e do outro o mercado consumidor não tão forte ou não tão aquecido.”

 

Imagem: Freepik


Fonte: ERS Consultoria & Advocacia

Visite o website: http://grupoers.com.br